segunda-feira, 19 de março de 2012

GRITOS DA ESCURIDÃO




O apagar das luzes pesa sobre mim. Meu passado me examina, enquanto os segundos vacilam em suas cadências. Vejo um tolo. Vejo um bravo. Estou só.


A serenidade pousa nos lençois, de olhos abertos para os pequenos traços que a escuridão autoriza. Esse diálogo reinventa a história, e a escuridão abraça a serenidade, como em laço de núpcia, como se a noite fosse dirigir a nave para o mesmo vácuo da explosão inicial. A serenidade se permite na invasão... e vai... volta... fecha os olhos para captar as ilusões a que o ser  se obriga.

Peço ao medo e à coragem o meu resgate; ao bravo e ao tolo, meus dias. Quero expulsá-los dali e conhecer meu sono. Gritam. Lacrimejo. Vejo a multidão naquele escuro. Estou só.

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terça-feira, 6 de março de 2012

SUPLÍCIO DA ROTINA


Meus sonhos não se resumem. Permanecerão inteiros em todas as jornadas, sob o crivo da excelência do tempo. Não envelhecemos enquanto estivermos juntos. E os passos seguem um ao outro. As noites, os dias, as lidas e os sonos ampliam enredos. O banco empoeirado e a lâmpada de mercúrio recriam o ermo da saudade.

Ali não tem a dose certa de temor, nem do uísque que incedeia a pena. Ali não tem o braço bravo da alegria reerguendo o reino. A luz clareia o túnel e reivindica o sol, no caminho que corta os destinos e não convence. E não escolhemos a estrada certa.

Não... não vou reescrever o enredo do meu sonho. Ombro a ombro, seguimos sem envelhecer, sem nos resumir.

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segunda-feira, 5 de março de 2012

DOMINGOS






Águas cintilantes do oceano, sol na moleira e parafina, sons de festa na posse da alegria e os cobertores me rodeiam. Os quartos são iguais, a não ser pelo cheiro ou endereço. A mesma escuridão, a mesma ingratidão desse espaço sem pulso, sem olhos, sem ouvidos. A luz de uma tela me faz ser alguém no mundo. Em outro mundo. No mundo dos outros. O meu mundo são quatro paredes, ou cinco, oito. São três ou quatro portas. Meu limite é uma porta. Eu fecho a porta. Construo minhas novelas, romances. Faço minha história de dor no que vivo resplandecer a alegria do que vivi e me transformar em saudade. Meu futuro é a dúvida. De tudo que faço, gosto apenas de ser o que fui. Não me vejo como quero. Nem os outros me veem como sou. Dizem que sou solidão. Eu digo que sou amor.

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CAVANDO CISMAS

Era a mesma rua, a mesma lua, a mesma crua imagem humana detida pelos prantos incontroláveis. Com a mesma doçura, pediu aos céus. Com a mesma bravura, olhou para a frente. Caminhou sem conter o pranto. Fez a última reverência, sentindo o cheiro da madrugada. Aceitou um abraço. Um beijo. Confirmou não ser sonho. Enfrentou o gosto da rejeição, como autoagredisse. Fingiu ser o mais amado dos homens. Riu sem conter o pranto. Era bom rir. Todos enxergavam o riso. O pranto não cessava, porque o sonho rejeitou a realidade. Era bom chorar.

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PEDRAS E PALAVRAS


Os ruídos ainda são os mesmos do naufrágio da dor nas lágrimas. As pedras atiradas no teto eram guiadas pelos exércitos de homens desapontados e silenciosos, que expulsavam suas insatisfações, como se fosse uma explosão de agonias. O silêncio arrenegou o orgulho. As insatisfações adentraram nas casas. A explosão atingiu inocentes que, com suas novas agonias, transformaram pedras em palavras. Pedras não são armas e sucumbiram à pólvora do exército de homens tolos. Os homens tolos não entendem palavras, nem pedras, e são manobrados contra eles mesmos. Os desapontados são novamente silenciados, até que as pedras sejam de pólvora e os tetos virem escombros.

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quinta-feira, 1 de março de 2012

DESCASO DO TEMPO


Quando a escolha reverenciou o futuro, não houve saídas para o passado. O passado não desdenha as etapas; se não define quem é, revela quem foi; desequilibra os agoras, caso falte as certezas. E o ser não apaga as linhas escritas pelo passado. É refém de seu outro eu. Quer não ser o que foi. Quer gritar outra história para satisfazer o presente. O algoz permanece intacto, naquele tempo inalcançável, e não muda a sua marcha em direção à memória. Fecha os olhos e ele aparece. Cala e ele está. O ser não escapa de suas incertezas. É refém de seu outro eu.


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FLORES AO TEMPO


O céu está cheio de perguntas daquele olhar perdido. A íris flor do destino refaz horizontes, mantém a caminhada. Tudo sufoca o corpo e não empolga a alma. Quase encontrou, quase negou, quase se arrependeu. Enquanto sonhava, se trancou no quarto e calou seus apelos. Seu peito é o alvo das incertezas. Por onde ir, onde ficar e onde chegará é a angústia das pernas finas e cansadas. Não houve um existir no outro. É só.


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NÃO TENHO


Como me defender do que não conheço? Foi o que seu pensamento perguntou à sua razão. Não há porque convidar a culpa para integrar seus instantes. Ele é a culpa. Ela destoa no baile. E qual a direção incerta, qual improviso correto? Quanto dele se esvai quando não responde a si? Ele cai, ela sai. É a solidão camuflada que a saudade rejeita. É a vibração de caos estendida no pesar. Quero apostar na felicidade, enquanto as cinzas não estiverem sob o tapete. Ele e ela se compensam. O destino cobra as multas. As vidas tecidas no amanhã recriminam as novas danças, porque ela destoa no baile. Ele é a culpa.


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CONSTRUINDO DRAMAS


E o oceano se fez vítima do rio, tentativa vã de adoçá-lo. Custou ao rio sua intimidade, o orgulho, a vaidade. Atirou-se inteiro no reservado oceano. Quisera alcançar de vez a profundidade, a beleza. O rio quis demais, insistiu demais. Negou-se a mudar de ideia e continuou rumando na mesma direção. Enquanto tiver força, o rio continuará com seu apelo repetitivo para ser parte do oceano. O oceano permaneceu com monossílabos, dissílabos, historinha ou outra e com seu salso inabalável. O rio, com seus dramas, provocou riso. O oceano é inalcançável demais para um rio.


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HOMEM DIREÇÃO


Eu esperei o sol durante a vida. Queria que ele visse meu olhar, minha admiração. Fui sua mão direita para escrever, esquerda pra tatear. Caminhei pisando forte com a perna esquerda, com ela afastei obstáculos. Indiquei curvas ladeiras esteiras escadas tapetes. Ao seu lado esquerdo. Destro que era, tilintava o alumínio com seus olhos agitados. E os olhos construíam mundos que eu não via, mas vivia em suas prosas. Os olhos que não enxergaram meu mundo. Fecharam. Não viram meu olhar... Eu espero o sol.

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HORAS DE ÂNSIA


Ela vê sombras. Ela vê nuvens e vive o frio no encalço do sorriso. Ela não dorme e não espanta a agonia. Seus olhos abertos anjificam meu sono, mas não me livram do pesar. Ela não sorri e eu choro sem lágrimas para ela não sofrer. As sombras e as nuvens não saem. Não há estrelas e parece que elas cairão. Eu sou ela neste extremo tormento. Eu sou ela na próxima canção de suicídio. Eu sou ela na incessante busca pelo sorriso.

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APENAS UMA NOITE


Fez das tripas coração, do coração suor, do suor grana. Juntou seus centavos. Juntou seus trapos. O cansaço virou riso. As sentenças desafiam os atos. Andou calmamente até a bilheteria. Cravou seus pés no mesmo chão que nutriu seus anseios. A cena se renova e os personagens se confundem. O herói junta as armas, caminha, a pele se aproxima. Os cabelos. O olhar. O passado adolescente, presente adulto. Indecente. Aquele corpo cresce diante de si. A grana conquista o que o coração não conseguiu. E ele deita com a mulher amada. Vítimas, vivem o que desejam. Beijos... Carícias... Orgasmos... Antes apenas olhares, agora a vida inteira. Antes apenas desejo, agora amor. E foi a noite inteira. Seriam duas... três... quantas ambos quisessem, se tudo fosse o querer. Mas o raiar do dia denuncia o retorno. E a grana é só de uma noite. Uma porta se fecha, o ciúme escapa. A cabeça abaixa. Ela fica no night club, ele vai à oficina. Ela torce pelo próximo encontro. Ele acalma as tripas, o coração, até que a saudade aperte novamente. O valente anônimo beija seu conforto e pensa: a vida lhe cobra o que ele não consegue pagar. A decente puta lamenta as lágrimas e pensa: a vida lhe cobra o que ela não consegue pagar.

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HOMEM MOVIMENTO


Ele saiu a cem por hora do estacionamento do supermercado, sem imaginar que a avenida estivesse deserta. Queria a curva fechada e a velocidade alta. Seu sonho com gasolina. Combustível da felicidade. Indústria de adrenalina. Poeira no asfalto da avenida. Duzentos por hora em 10 segundos. Laterais em linhas retas, cores inteiras, riscadas. Olhos firmes. Chegada rápida. Fim de gozo. Tontura. Cansaço por ter parado. O homem movimento não quer chegar. Joga video game com carros de corrida. Sonha com cheiro de gasolina e asfalto. Acorda no dois ponto zero soprando vida. E vai zoando. Zoando. Voando. Voando. Até perceber que precisa de asas.

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PORANDUBA DESIDRATADA


Os rios refrescam a respiração e confortam lavouras. Garantem a umidade necessária para vida em quilômetros alcançáveis. Eu rio antes do assoreamento.


A insistência das chuvas obrigam faxina na orla. Fecundando corrente, arrasta o lixo, para que o sol posterior brilhe em terra nova. Eu rio antes do assoreamento.


As árvores não estão mais próximas e e o leito fica incerto. O rio não dorme sossegado sem sombra e, cansado, é mutilado em riacho, em córrego.


O rio tenta se impor sobre a areia. O rio, que vence pedras, sucumbe à lama e vai dessignificando as pontes. Humanos respiram seco.


Rios de lágrimas são poças.

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