sexta-feira, 11 de novembro de 2011

CADÊNCIA ATREVIDA



Não vi apagar a luz que se acendeu para um dia. Flores e frutos em desordem com as cortinas do ocaso. A água se resumira em nuvens e os galhos desnutridos adormeciam entre pedras. Os pés carregaram a poeira. A sirene interrompeu o sonho.

As desestruturas não são abaladas pelas matrizes enferrujadas. Entre meus eus se vão histórias. Entre o passado e o futuro, encontro-me comigo em mais um eu. Não se impedem os desencontros. Não se afloram reencontros. As estruturas são novas.

Dentre as cotas da orbe, os reis querem a cidade. Dentre as angústias das flores, os reis querem a beleza. Dentre as fraquezas humanas, os reis querem riqueza. Dentre todas as coisas, os reis querem felicidade. Sei, sem ser rei, que a felicidade sorri.

O amargo não fere. A imponência do dia-a-dia é uma exigência do futuro. E o novo parece velho.

As trilhas são o distanciamento da sirene. Os sonhos não serão interrompidos.
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QUATRO CANTOS DE SONHOS INVIOLÁVEIS


Novas circunstâncias entortam as pautas. O novo enredo é velho tormento. As chegadas me esvaziam. Quanto devo ser, enquanto me desentender, está proporcional ao que vou fazer no meu mundo e no mundo do outrem.


Os sonhos iniciados nos segredos de um olhar ao nada não são vividos isoladamente. Os sonhos não são tortos.

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Na fuga dos espinhos, a rosa se chocou com a mão. De pétala em pétala, tentando resistir, ela se transformou em gotas de um vinho acre. Assim atraiu o desejo. Assim fez cair em riso pueril. Fatal. Fetal.

* * * * *

Sopraram fragrâncias para cá. Busquei em sóis e luas, em flores e corpos, em sombras e acasos... Só pude encontrar comigo. E nem tentei me esconder de mim. Foram os passos, os traços, as graças que me impuseram uma via. Caminho. Vou. Estarei. Mais algumas luas, entenderei. Mais alguns flagrantes, reiniciarei.

* * * * *

Os encontros explodem em coincidências, acasos e destinos. Quem não sonhou perdeu seu compasso. Quem não reuniu perdeu-se do mundo. Quem não se isolou perdeu-se de si. E não esteve em um dos quatro cantos gritados na estrofe.

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O SOL SEM REINO VIRA SÚDITO

E, enfim, o súdito pôde ser...

A rainha converteu nuvens
em céu de luar estrelado.
Abriu mares onde
não se podiam navegar.
Fez música quando
forçaram silêncio.

Quando o doce suavizou,
aeronaves foram
estrelas cadentes...
E todos os pedidos se realizaram.

O súdito, desde então, existe.

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ANEDOTA COM SCOTCH NO GABINETE


Quando os primeiros raios solares o iluminaram, ele era o mesmo operário implorando um olhar. Dedicar-se sempre foi obrigação. Contentamento é estabilidade no emprego. Sempre fez jus a elogios. A única atenção foi por erro de inexperiência.
Quando os primeiros vales credores o especularam, ele era o mesmo operário tateando tecidos. As horas consomem. Dores do agora. O talvez do amanhã é agouro do outro. A mesma biografia de outrora em nova geografia. O limpo se faz inútil. O ser do ser perece frente ao crer no ter. O homem tem que ser máquina.

Quando os primeiros ares de revolução o contaminaram, ele era o mesmo operário implorando por um ouvir. Debates. Leituras. Conjecturas. Leituras. Ações, enfrentamentos. Subversões. Quanto mais seu discurso se tornava original, era mais perigoso, era mais importante. Prescindível. Fundamental. Mudança isolada é loucura social.

Quando os primeiros lapsos de confiança o impregnaram,, ele era um operário farejando soluções. O conforto mutila a classe. A luta camufla a farsa. O direito é piso falso. O discurso coletivo não convence. As conquistas pessoais são poderosas. E não há mais.

Quando os primeiros golpes de traição o atingiram, ele era um ex-operário implorando sabores. A consciência provoca isolamento. O único discurso indefectível da pecúnia. Incontestável. O cruel lado oposto é ladeira abaixo. Verdade ilógica nos canais de comunicação! Loucura sábia sob os viadutos!

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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

LAPSO DE SORTILÉGIO


Avisaram que a noite chegaria rápido. Pensou se viria a escuridão ou as estrelas. O baile era longo. Descortinou sua janela voltada para o futuro e não enxergava horizonte. Mesmo assim, começou seu caminhar em busca de um não sei o quê que nunca encontra e não pára de buscar. Aceitou e cumpriu a rotina. Seguia os passos de sempre e deparou-se com a pele morena, com os cabelos cacheados. Depois foi flor no jóia. A flor disse desde que. O jóia disse assim. Ela falou em luar. Ele insistia em números. E encaixaram seu olhares, vislumbraram enxovais e calcularam fins de semana. Sorria sentada; em pé, manquejava. Sorria sentado; em pé, desertava. Disse que a noite chegou rápido e não ouviu que os bons momentos faziam esquecer o tempo. Antes de retornar para a linha reta, passou pela festa. Distraiu-se com o tiro ao alvo da esquina. Engoliu litros de própria saliva. Ainda caminhou sem colher pedras pelos sapatos. Percebeu um x ao olhar pra trás e não pesou calcular. Contemplou mais uma vez sua janela sem horizonte. O poste em frente apagou.

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CÓDIGOS DO ACASO


Empreste-me seu céu, seu sol, suas sombras.
Permita-me ser aquilo que você nunca quis revelar.
Reerga seus véus e seus nós.
Reviva seus medos.
Verter músculos em consciência
é tentar amar sem perder o engano,
é transformar lavoura em família
e se firmar em uma ilha
afastada dos tiranos,
resistente a carência.
E não vou entender amor com lágrimas,
se não traduzir alegria.
Pois seu céu de desejo
com a luz fecunda
construirão sob seus pés
o espectro do viver.

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